"Era só uma menina...", mas era uma menina muito corajosa e desbocada que adorava realizar tudo o que vinha à mente e que não agrediria a ninguém. Ela era da paz. Ouvia chamarem-na "sua maluca" e "doidinha" e respondia prontamente com aquele sorrisão na cara de menina nova que não conhece os limites da opressão humana de cada um. Ela já havia se livrado dela aos 20 anos, fazia tempo que se acostumara à liberdade de si mesma, de ser ela mesma mesmo não sabendo quem era ela. O barato era descobrir.
Ela era colorida e caminhava pelas ruas comuns da cidade como quem caminha num sonho arco-íris. Imaginava situações, o meio-fio era uma ponte que ligava o infinito ao sei lá o quê muito importante! Caminhava com aquela cara hipócrita de gente normal, mas dentro de si criava situações incríveis, ora felizes que a fazia deixar um sorriso escapar, ora dramáticas, e ela disfarçava uma lágrima na janela do ônibus. Falava ao celular com ninguém, criava diálogos com as pessoas mais importantes e curiosas do mundo, salvava o planeta, uma criança ou um animalzinho, fazia-se mártir de causas simples e tinha casa, marido e filhos felizes e educados. Pensava em sexo chato e apaixonado, falava palavrões e palavras santas, percebia como os dedos tocavam o chão, os pêlos do braço moviam-se ao vento, a pele seca ou úmida, a língua nos lábios, olhava o próprio corpo como instrumento versátil e infinito. Era preciso. Tão divertido era viver que ainda arrumava tempo de se lembrar do momento que mais riu, que mais amou, que mais perdeu o ar de susto e, quando um quase ataque incontrolável de riso a dominava implorando explodir, ela ligava para qualquer alguém imaginário e contava com detalhes do que se lembrara. Ela era feliz demais! Chorava e fingia resfriado, sorria e assumia a maluquice de ser feliz.
Para a menina, mais difícil e divertido era brincar de, sentada na janela do ônibus, olhar para quem aperecesse de repente no trânsito e lançar um olhar que dissesse "eu te amo". Não o eu te amo ligado ao sexo - era pequeno - mas o eu te amo ser humano maior que movimenta a energia que rege todas as coisas. Ela sentia quando alguém sentia e nessa hora de conexão: BUM! Dava aquele aperto no coração de quem vê o ser amado após tempo longo de espera de amor.
A brincadeira era difícil pois era somente o olhar cheio de paz e alegria, nada de indutores como um sorrisinho, um olhar mais fechado...o desafio era, com um olhar sereno, transmitir eu-te-amo-coisa-gente todo o tempo de um sinal fechado ou de um súbito engarrafamento, ou velozmente como uma ultrapassagem em avenida reta de fluxo livre.
A menina tinha lido Huizinga e, como ele, acreditava que tudo na vida é jogo. Ela adorava jogar e todos os artifícios que ela precisava para treinar-se ser humano mais humano eram acionados. Essas eram as suas regras. Tudo para um treinamento de como ser gente, de como viver plenamente. Sabia que não é sempre que se encontra pessoas que desejam jogar o mesmo jogo - por falta de tempo, coragem ou qualquer coisa de cada um - mas isso não a fazia deixar de jogar. E a coisa da qual ela mais se orgulhava era saber usar a imaginação livre e rejuvenescedora para tal. Uma mente limpa purifica a vida toda, o corpo. Treinar a mente criativa é treinar a fé. Treinar a fé nas coisas é ser vencedor de todo minuto.
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